Cotidiano
Era uma manhã de segunda, o plantão estava agitado ela estava arrumando as coisas, para sair enquanto organizava a equipe para que o plantão fosse finalizado e os colegas do plantão seguinte não ficassem sobrecarregados.
- Oi Kethelyn.
Ela olhou levantando apenas os olhos para ver quem falou.
- E aí, Felipe, preciso falar contigo sobre um paciente que deu entrada ontem.
- Medicação Nova?
O Felipe era o Farmacêutico que ficava na Farmácia Central,
organizando as medicações, os materiais, e organizando a equipe de Auxiliares.
- Sim, preciso do estoque de Azitromicina, o Dr. Marcio
pediu para que iniciássemos imediatamente, queria saber se ainda temos em
estoque.
Ele encostou no balcão onde ela estava.
- Porque não vem até a farmácia quando acabar aí, posso te
mostrar, preciso ir logo para a Farmácia porque tenho alguns relatórios para
terminar e entregar no fim do mês.
- Ta bom Felipe, vou assim que terminar aqui.
Depois de alguns minutos ela apareceu na Farmácia, havia 2
Funcionários além do Farmacêutico.
- Oi, Posso entrar? – Kethelyn bateu na porta.
- Pode sim – Respondeu o Felipe.
Os dois funcionários saíram para entregar medicações e os
dois ficaram a sós.
- Senta aqui, tem mais alguma medicação que você queria ver?
Ela se sentou ao lado dele com uma pasta de arquivos na
mão.
- Eu preciso do estoque da Azitromicina, Amoxicilina e
Aciclovir.
- Tudo bem, mas eu preciso saber por quanto tempo os
pacientes vão usar.
- Um minuto, deixa eu entrar na minha conta para ter acesso
a prontuário dos pacientes.
Ela se levantou, colocou a pasta em cima da impressora que
estava ao lado e se aproximou do teclado para poder fazer login no seu usuário,
o cabelo dela se soltou quando ela se levantou deixando exalar um cheiro de
perfume intenso no ar, o ombro dela se esbarrou no dele, ele se arrepiou e se
afastou desconcertado, tentando não demonstrar que estava com vergonha.
- Que foi? – Ela perguntou rindo, percebendo a cara dele.
- Não é nada, termina aí.
Quando ela voltou para se sentar, se esbarrou nele de
propósito, o fazendo ficar desconcertado novamente.
- Err... precisamos fazer uma compra para suprir o restante
do tratamento no caso da Azitromicina.
- Entendido – Ela pegou a pasta e deixou cair um papel no
chão, ele abaixou para pegar era uma folha de estudos.
- Estudando para Medicina?
Ela pegou o papel com vergonha.
- Sim, bem, vou indo, até mais, não esquece das medicações.
- Ei! – Ele falou quando ela abriu a porta para sair.
- Porque não saímos para almoçar qualquer dia?
- Qualquer dia?
- Sexta-Feira?
- Estou de plantão.
- Quinta?
- Fechado.
Quebrando
a Rotina
A Farmácia estava impecável, medicações arrumadas nas
prateleiras organizadas em ordem alfabética, as caixas abertas nos Bins os
materiais estavam organizados no fundo da Farmácia em caixas, e as caixas
abertas estavam em ordem alfabética em organizadores, o Felipe estava checando
a validade de cada medicamento quando a Kethelyn entrou na farmácia.
- Uau, queria uma equipe eficiente assim.
- Onde? – Felipe virou num susto.
- hahaha, tudo certo para hoje?
Os assistentes se entreolharam, depois olharam para o
Felipe.
- Sim, as 12 hrs.
Ela fechou a porta e saiu sorrindo.
- Olha, o Felipe ta namorando. – O Adson falou rindo.
- Estou não, vamos apenas discutir algumas coisas do
hospital e alguns pacientes.
- Aham, eu sei... – Ele falou rindo.
Algumas horas depois eles se encontraram na frente do
Hospital.
- E então, onde vamos almoçar?
Há um restaurante aqui ao lado, o dono é amigo meu, podemos
ir lá. Foram andando pela calçada comentando sobre os filmes que tinham
assistido recentemente até chegar em frente de um local simples, porém muito
bem arrumado, móveis rústicos de madeira, tudo muito confortável.
- Então... o que gostaria de comer? – Felipe perguntou com
um ar de quem a avaliava.
- Qual a especialidade da casa, Sr. Amigo do dono?
- O feijão tropeiro daqui é inigualável, é feito pela
mulher do dono, que inclusive está alí no balcão. – Ela inclinou a cabeça de
forma discreta para olhar o Sr. De barba branca, rala, bem feita, que usava
óculos pequenos, e lia um livro com um ar sereno. – Também há uma salada que é
acompanhada por um molho de mostarda com maracujá divina.
- Certo, vou querer acompanhado com arroz.
- Sem carne? – perguntou surpreso.
- Estou diminuindo o consumo. – Respondeu com um sorriso.
Felipe levantou a mão, e o Sr. Foi até à mesa.
- Boa tarde Seu Edmundo, como vai?
- Vou muito bem, meu Jovem, e você, como está a família?
- Muito bem, obrigado, poderia nos servir a especialidade
da casa, por favor?
- Com certeza, algo para beber?
- Chá Gelado, por favor. – Kethelyn respondeu, se
apresentando.
- O prazer é meu, minha querida.
- Sem carnes?
- Sim – Felipe respondeu sendo retribuído com um olhar
desconfiado do Seu Edmundo, que olhou para a moça discretamente e saiu pedindo
licença.
- Que senhor simpático. – Falou surpresa.
- Em dias tranquilos ele faz questão de falar com todas as
mesas, nos dias cheios também, mas o filho dele o ajuda com as demandas.
- É um ambiente muito agradável, obrigado por me
apresentar, sempre passei por aqui e nunca havia entrado.
- Por ser simples, acaba passando despercebido, mas ele
disse que prefere assim, nunca entendi o porquê.
- O Conhece a muito tempo?
- Desde que entrei no hospital, alguns anos atrás, sempre
almoço aqui nos meus plantões, pode não parecer, mas ele é muito sábio, lê
bastante, inclusive tem os melhores conselhos.
Passaram algum tempo falando sobre frivolidades e
reclamando um pouco sobre algumas demandas que precisavam resolver no trabalho.
- Então, o paciente que entrou semana passada continua um
mistério, os médicos ainda não sabem o que está acontecendo, já administraram
várias medicações e o paciente continua com dor no estômago, já fizeram todo
tipo de exame e não consta nada, não há vírus, nem bactéria, nem fungos.
- E ele continua com dor? – ele perguntou com um leve
espanto.
- Sim, os médicos não sabem mais o que fazer.
Seu Edmundo servia a mesa enquanto eles conversavam.
Desculpa, eu não pude evitar de ouvir a conversa, as vezes
o problema é mais simples do que parece, os médicos perguntaram como era a
rotina do paciente em casa?
- Não... – Ela olhou para o Sr. Surpresa.
- Vai ver a alimentação dele não era tão boa.
- Realmente, os pais não tem muitas condições... – Ela se
lembrou da conversa que teve com a mãe do paciente.
- E se ele não comia direito e isso acabou gerando uma
úlcera?
- Mas isso seria detectado num exame de sangue, não? –
Felipe perguntou
- Não exatamente, porque se for, o próprio estômago estaria
o machucando, não um agente externo, muito obrigado, moço, vou ver se
encaminham uma endoscopia.
Seu Edmundo terminou de servir a mesa e saiu com um
cumprimento discreto.
- Como ele sabe dessas coisas? – Ela perguntou surpresa –
Ele é médico?
- Nunca perguntei, mas ele lê bastante. – Felipe respondeu
um pouco distraído pondo o prato.
Kethelyn ainda olhava para o Sr. Que já havia novamente se
sentado no balcão e folheava o livro procurando a página onde havia pausado a
leitura. Os dois terminaram de comer, o Felipe já foi levantando, enquanto a
Kethelyn arrumou todos os pratos e levou até o balcão.
- Não precisava moça - Seu Edmundo agradeceu um pouco
surpreso.
- Não se preocupe, o senhor me ajudou muito, era o mínimo
que eu poderia fazer. – Ela respondeu sorrindo.
Um
novo conhecido
Era uma tarde ensolarada quando a Kethelyn resolveu visitar
novamente o restaurante que havia conhecido recentemente, para sua surpresa
dessa vez o restaurante estava cheio e ela teve um pouco de dificuldade para
falar novamente com o Seu Edmundo, o dono do restaurante, dessa vez havia um
rapaz que o acompanhava, ela olhou por todo o ambiente buscando algum local
para sentar, mas não havia, não havia sequer cadeiras livres, quando o garçom
passou para levar o pedido recém anotado para a cozinha ela se afastou de onde
estava e acabou se esbarrando numa cadeira que estava atrás dela, se virou
rapidamente para ver se havia tropeçado em alguém.
- Perdão, não tinha visto! – Falou para um rapaz que estava
com um notebook escrevendo concentrado, quando percebeu que ele estava sozinho
e a cadeira estava livre.
- Tranquilo, sem problemas! – ele respondeu de forma bem
paciente ainda concentrado.
- Você se importa d’eu esperar meu pedido aqui? – Ela
perguntou temendo que ele estivesse esperando alguém.
- Pode sim, sem problemas! – Ele respondeu novamente quase
no automático.
- Desculpa, não quero incomodar. – falou notando a
indiferença do rapaz.
O rapaz levantou a cabeça notando que havia deixado a moça
sem jeito, ficou sem jeito também e levantou meio desastrado para se desculpar.
- Desculpe – Levantou a mão para a cumprimentar mais
formalmente – Estava trabalhando, por isso não falei direito.
- Não se preocupe, realmente não quero incomodar – apertou
a mão do rapaz e voltou a olhar para o balcão de forma curiosa, seguindo o seu
Edmundo com os olhos.
- Uma figura, não acha?
- Você o conhece? – A moça perguntou parecendo um pouco
mais interessada no rapaz.
- Sim, conversamos muito sobre livros sempre que passo aqui.
- Ah, e o que você faz?
- Eu faço muitas coisas.
- Como assim muitas coisas?
- Quando você diz, “o que você faz”, você está dizendo o
que eu faço da vida como trabalho, como hobby, como passo o tempo? É uma
pergunta muito genérica.
- Desculpe, queria saber com o que você trabalha. – Ela
falou num tom estranho.
- Ah, sim, eu sou escritor, entre outras coisas.
- Ta certo... – Ela perguntou sem querer se intrometer na
vida dele.
- Você vem sempre aqui?
Ela o olhou com uma expressão confusa.
- Não, não foi uma cantada, se é o que pareceu, fiquei
curioso porque perguntou sobre o Seu Edmundo. – respondeu rindo.
- Ah, não, eu o conheci outro dia quando vim almoçar depois
do trabalho.
- Entendi, ele é um leitor assíduo, e uma pessoa bem sábia.
- Eu percebi, conseguimos diagnosticar um paciente por
conta de uma dica que ele deu, vim para agradecer, não imaginava que estaria
tão cheio.
- A vida não é extremamente surpreendente quando nos
atentamos aos detalhes?
- O que quer dizer com isso?
- Veja, talvez se você não estivesse aqui, exatamente no
momento e na hora em que você estava, talvez não teria salvado a vida desse
paciente, tudo isso através das palavras de um velhinho.
- É bem por isso que eu vim o agradecer...
- Bem legal, a área de saúde é uma área louvável, muita
correria, imagino.
- Bastante, mas vale a pena.
- Legal que você gosta.
- E você escreve sobre o que?
- Costumo escrever alguns ensaios.
- Ensaios?
- Sim, mas nada demais. – Ele respondeu abaixando a tela do
notebook.
- Você não vai fazer nenhum pedido?
- Já pedi, e já comi.
- E ainda está aqui?
- Sim, pago um extra para continuar na mesa, é um acordo
informal, porque gosto do ambiente, e hoje esse hábito valeu bem a pena,
costumo observar as pessoas, e é uma das minhas inspirações para escrever,
desde que nos entendemos como seres humanos e passamos a nos comunicar, a
comunicação passou a ser feita de várias formas, mas nada é tão bom quanto o
olho no olho.
Ela corou.
- Sobre o que são os ensaios que você faz?
- Sobre as pessoas e sobre a sociedade, é o que mais
costumo escrever, embora eu seja um tanto quanto misantropo, no quesito
relações sociais, as pessoas sempre são surpreendentes, e há sempre uma boa
novidade, como hoje, uma história incrível e totalmente fora do normal.
- Porque fora do normal? – ela questionou, tão absorta na
conversa que já havia esquecido que estava no restaurante.
- Porque você voltou para agradecer.
- E isso faz de mim uma pessoa boa?
- Não necessariamente, faz de ti uma pessoa humilde, o que
não é tão comum, nem ultimamente, nem na sua área.
- E o que tem de especial nisso?
- Veja as pessoas – Ele olhou para as pessoas que
conversavam, andavam para lá e para cá, para o garçom servindo as mesas –
Perceba, elas não costumam viver a vida, costumam apenas a passar por ela,
acordam na segunda, esperando que a sexta-feira chegue, ou seja, elas desejam
que a vida passe mais rápido, isso porque a maioria delas não estão fazendo o
que querem, mas o que foram condicionadas a fazer.
- Que visão pessimista, não acha?
- As coisas são como são, não há o que julgar, a questão
mesmo é: nesse emaranhado de pessoas e acontecimentos há certos milagres que
são surpreendentes, como por exemplo uma enfermeira que salvou a vida de um
paciente porque um velhinho dono de uma loja falou com ela e ela confiou na
palavra do velhinho.
- Você falando dessa forma soa bastante poético.
- E, não é? É exatamente sobre isso que estou falando, esse
momento raro, quase que único eu diria, foi percebido por você e a fez voltar
aqui para agradecer.
- Agora que você falou, realmente, não é algo corriqueiro,
na verdade, nunca me ocorreu. – A moça falou com certo brilho no olhar.
- É isso, é esse olhar que faz tudo valer a pena, quando
você percebe que a vida é muito mais do que a rotina sufocante, e que há
momentos únicos.
- Você é um cara estranho – ela falou rindo da empolgação
dele.
- Sou? – O rapaz se levantou, guardou o notebook na mochila
– Não costumo me encaixar, por essas e outras, não é tão comum ver vida sob uma
ótica diferente, preciso ir, boa tarde – Levantou e foi ao balcão pagar a
conta.
Não demorou muito até que o pedido dela chegasse, ela comeu
devagar, nem havia notado que o fluxo do restaurante já havia diminuído, já
tinha se esquecido o que tinha ido fazer alí, não parava de pensar na conversa
que teve como o rapaz, ela foi ao balcão pagar a conta assim que terminou o
almoço.
- Boa tarde, queria agradecer o senhor, conseguimos
diagnosticar o paciente por conta da sua dica, o senhor ajudou a salvar uma
vida.
- Que boa moça, eu é quem devo agradecer.
- Quanto deu a conta?
- Não precisa, seu amigo já pagou a conta.
Ela parou por alguns momentos, ainda absorvendo a
informação.
- Mas nem nos conhecemos.
- Não se preocupe, ele é um rapaz um pouco excêntrico,
deixou isso aqui pra você. – Ele lhe entregou um pedaço de papel.
Ela abriu o papel devagar, e nele estava escrito:
“Obrigado pela conversa!
Ass: E.”
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